terça-feira, 11 de agosto de 2015

O Achado

Viajantes, seguindo, apresentavam bilhetes. Viajantes, chegando, mostravam aspectos bizarros. Costumes de caroá, vestidos de algodão leve, grossas blusas de lã e capas gaúchas.
Senhoras de passo lento surgiam, entremostrando saúde e alegria. Jovens risonhas caminhavam com a desenvoltura de modelos em passarela.
Perdido na multidão do grande aeroporto, Marcelino Nunes divagava, contemplando as hélices dos aviões de grande porte.
Relanceando o olhar em torno, via, encantado, o ambiente distinto.
O dinheiro corria em cédulas de mil.
Ninguém discutia a cobrança do excesso de malas, nem regateava a conta dos “souvenirs”, vendidos a preço de escorchar.
Marcelino sonhava...
Queria ser como aqueles forasteiros que iam e vinham pelas alturas.
Desejava viajar, viajar, rotulando bagagem com etiquetas de hotéis dos diferentes países.
“Turista importante, vida ideal” — pensava.
Mas para isso precisava de dinheiro, muito dinheiro.
Viera do interior buscando melhoria financeira na capital; entretanto, só encontrara um emprego de ninharia, na conceituação dele mesmo.
Nada além de balconista numa loja de novidades.
— “Marcelino, desça aquela taça da prateleira!”
— “Nunes, tenho pressa. Faça o favor.”
Cansara-se de ouvir fregueses insípidos.
Enfadara-se.
E atingia os trinta anos, sem que lhe fosse possível coisa melhor.
O ordenado mal dava para pensão e condução.
Preocupado, escrevia para a mãezinha viúva, relatando-lhe os problemas. Entretanto, a “velha”, na titulação com que lhe recordava o carinho, era espírita militante, e respondia, serena:
— Meu filho, dever correto é degrau para a verdadeira felicidade.
— A lei de Deus premia a perseverança no bem.
—  Não queira facilidades sem trabalho e suor.
—  Humildade, meu filho, mais humildade!
Cada missiva materna era um apelo à energia moral.
Não reclamava; contudo, aborrecia-se.
— Ora essa! — costumava falar de si para consigo. — Pobre mãe! Sempre conselhos! Os espíritas parecem atacados de indigestão filosófica...
Enquanto ruminava os seus problemas, a pequena multidão, no grande aeroporto, exibia brasões.
Carteiras recheadas. Colares ricos. Alfinetes encastoados de pérolas. Pulseiras de ouro.
Relógios caríssimos.
— Ah! Se eu tivesse dinheiro, mandava esta vida às favas — dizia Nunes baixinho...
Descontente, Marcelino mastigava o cigarro, indo e vindo de um lado para outro.
Inquieto.
Solitário na turba.
Sedento de companhia.
Depois de longos minutos de insatisfação, sentou-se enquanto aguardava o ônibus.
No banco, apenas ele e um homem de bengala branca. Cego, de semblante sereno, aguardando pessoa amiga.
Destacando-se ao alcance da mão, viu algo.
Um pacote bem feito em papel pardo.
Cigarros? Quem sabe?
Havia visto, há tempo, um grande pacote de cigarros norte-americanos acondicionados daquela maneira.
Marcelino esperou.
Um moço veio e deu o braço ao companheiro de banco, retirando-se os dois.
A sós, não teve qualquer dúvida.
Não se vendo observado, arrebatou o pacote com naturalidade e saiu.
— Posso fumar alguns dias, sem preocupação — refletia.
Afastou-se e, logo após, tomando o ônibus, retornou ao seu quarto humilde.
A sós, abriu cuidadosamente o embrulho e, oh! surpresa!
Ali estavam cédulas de mil cruzeiros, novíssimas.
Deviam ter saído de casa bancária na véspera.
Marcelino contou o primeiro lote, retirando a cinta elástica.
Cem notas! E, constando o todo de vinte maços, estava na posse de dois milhões de cruzeiros.
Trancou-se, cauteloso, arfando de emoção.
A consciência recomendava-lhe buscasse o dono, anunciando o achado.
Mas... por quê?
— Ajudaria a mãezinha cansada — argumentava —, seria útil a muitos amigos.
Sentia-se atrapalhado.
Via-se agora inseguro.
Não tinha lugar para tanto dinheiro.
Entretanto, o aposento era servido de boa chave e tinha, a mesa, gaveta sólida.
Invadido por pensamentos com que não contava, arquitetou a renovação.
Deixaria o emprego modesto.
Formaria novos hábitos.
Visitaria os familiares no interior, melhorando-lhes a sorte.
Em seguida, teria o seu próprio estabelecimento comercial.
Debalde tentou repousar naquela tarde de domingo.
À noite, buscou um cinema; contudo, não esperou pelo fim do filme.
A fortuna inesperada furtara-lhe a paz de espírito.
No dia seguinte, comunicou ao chefe a retirada e pedia lhe fosse dispensada qualquer obrigação de aviso prévio.
O gerente aconselhou calma; entretanto, respondeu agressivo.
Disse que a loja lhe fora cárcere.
Não tencionava mais pôr os pés ali.
Queria começar vida nova.
Despediu-se da pensão pobre, ofendendo a dona da casa, referindo-se a pulgas indomáveis e pratos malfeitos. Logo após, instalou-se em hotel.
Gastara quatro dias em mudanças e andanças.
Resolvendo buscar o interior no dia seguinte, foi a uma grande loja, para compras.
Dando-se ares de importância, pediu a preparação de várias peças, em papel especial para presentes.
As aquisições montaram em onze mil e seiscentos cruzeiros.
Marcelino entregou doze notas, e o moço, gentil, na caixa, pedindo para que aguardasse o troco, afastou-se, solicitando um momentinho...
Alguns minutos passaram lentos, quando um agente policial chegou de improviso e deu-lhe ordem de prisão.
Em meia hora, o quarto de hotel passou por impiedosa revista.
O dinheiro encontrado era, todo ele, em série completa de notas falsas.
Recolhido ao distrito policial, o pobre Nunes chorava em desespero...

Hilário Silva - Do livro: Almas em Desfile: Francisco Cândido Xavier

Flores de Saudade

Se pretendemos cultuar a memória de familiares queridos, transferidos para o Além, elejamos o local ideal: nossa casa.
Usemos muitas flores para enfeitar a Vida, no aconchego do lar; nunca para exaltar a morte, na frieza do cemitério.
Eles preferirão, invariavelmente, receber nossa mensagem de carinho, pelo correio da saudade, sem selagem fúnebre.
É bom sentir saudade. Significa que há amor em nossos corações, o sentimento supremo que empresta significado e objetivo à existência.
Quando amamos de verdade, com aquele afeto puro e despojado, que tem nas mães o exemplo maior, sentimo-nos fortes e resolutos, dispostos a enfrentar o Mundo.
E talvez Deus tenha inventado a ilusão da morte para que superemos a tendência milenar de aprisionar o amor em círculos fechados de egoísmo familiar, ensinando-nos a cultivá-lo em plenitude, no esforço da fraternidade, do trabalho em favor do semelhante, que nos conduz às realizações mais nobres.
Não permitamos, assim, que a saudade se converta em motivo de angústia e opressão. Usemos os filtros da confiança e da fé, dificultando-a com a compreensão de que as ligações afetivas não se encerram na sepultura. O Amor, essência da Vida, estende-se, indestrutível, às moradas do Infinito, ponte sublime que sustenta, indelével, a comunhão entre a Terra e o Céu...
Há, pois, dois motivos para não cultivarmos tristeza:
Sentimos saudade - não estamos mortos...
Nossos amados não estão mortos - sentem saudade ...
E se formos capazes de orar, contritos e serenos, nesses momentos de evocação, orvalhando as flores da saudade com a bênção da presença, sentiremos a presença deles entre nós, envolvendo suavemente nossos corações com cariciosos perfumes de alegria e paz.

por Richard Simonetti
livro: Quem tem medo da morte?


domingo, 9 de agosto de 2015

O Iluminado

As sucessivas ondas de perfume carreadas pelos ventos suaves da primavera faziam parte do festival de alegria que dominava a Natureza.
As folhas de mangueiras enfeitavam as portas das casas da aldeia, significando fecundidade em abundância, e o ashram se encontrava ornamentado de festões de flores de laranjeiras.
As pessoas transitavam felizes, ornadas de guirlandas coloridas, e as virgens descalças exibiam os braceletes e guizos reluzentes, assim como as jóias cintilantes que adornavam os sáris leves, dourados uns, prateados outros.
Enfeitadas com esmero e pintadas, aguardavam o Iluminado que deveria chegar, quais noivas ansiosas pelas núpcias anunciadas.
Crianças gárrulas, vestidas com cuidado, corriam de um para o outro lado, como abelhas operosas, embora não produzissem nada além da música estridente dos gritos e das risadas...
O Sol ameno beijava a terra verde exultante de vitalidade com carícia gentil.
De quando em quando, soavam os clarins anunciadores, informando a proximidade da comitiva que conduzia o Esperado.
O palanque no centro do ashram estava repleto com as autoridades e as personagens locais de maior destaque.
Todos O aguardavam com expectativa mal disfarçada.
Esperava-se que Ele chegasse numa carruagem ajaezada de gemas preciosas e ornada de ouro, conduzida por corcéis brancos igualmente recobertos de tecidos caros...
...Ele, porém, chegou caminhando, pés descalços, cabeça erguida e corpo coberto somente pela túnica em tonalidade açafrão, que lhe descia até ao solo.
Nenhum adorno se destacava na indumentária.
Os seus acompanhantes eram, também, destituídos de luxo e de ostentação.
A multidão não pôde esconder o desencanto.
Aguardava-se um rei poderoso que representava Brahma na Terra, e o mensageiro parecia tão pobre e sem valor!
Ele dirigiu-se ao estrado, subiu, calmamente, os degraus, saudou as personalidades com humildade, em melodiosas expressões Namastê!1
As pessoas acercaram-se mais e um silêncio cósmico facultou a oportunidade para Ele falar...
...Eu venho em nome da Luz Inapagável, que antecedeu ao tempo e ao espaço.
Eu sou o portador da Sua claridade, a fim de que toda a sombra se dilua nas mentes e nos corações humanos.
Eu sou a luminosa verdade que desalgema o Espírito da dominadora sombra da ignorância.
Eu sou o archote da esperança para quem busca, sou o socorro para quem o necessita.
Não tenho nada, além disso, nem me interessa possuir outras coisas...
Eu sou!...
Ante a expectação e a onda de ternura que invadiu as pessoas, um apelo maternal rompeu a pausa que Ele fez, rogando:
- Minha filha é cega! – e ergueu-a nos braços.
Ele sorriu, misericordioso, e, dos Seus olhos saíram raios brilhantes, atingindo a criança invidente, que gritou: - Vejo! – e prorrompeu em pranto...
Outrem suplicou:
- Cura as minhas feridas!
Ele estendeu as mãos que espraiaram radiante luz, que logo cicatrizou as úlceras...
...E todos que se encontravam nas trevas das aflições suplicaram remendos para os seus corpos corrompidos, enquanto Ele, curando-os, iluminou-lhes as almas equivocadas.
Quando a noite chegou estrelada, e Ele partiu, uma estrada esplendendo em luz feérica se estendeu da aldeia humilde, perdendo-se na direção do infinito.
O Iluminado compadecido, que nada possuía, era o amor que tudo pode e que se dá, deixando perene claridade naqueles que deambulam na escuridão da inferioridade.

 Rabindranath Tagore -  psicografia de  Divaldo Franco, na noite de 7 de julho de 2008, no Centro Espírita Caminho da Redenção, em Salvador, Bahia.

Em 23.03.2009. Do site: http://www.divaldofranco.com/mensagens.php?not=110.

Leia mais: http://www.cacef.info/news/o-iluminado

Tarefas Mútuas

Aceita a fatalidade do progresso.
Porque se rogue na Terra auxílio aos Amigos Espirituais, não admitas estejam eles sem necessidade do Teu concurso.
Os corações se entrelaçam e as vidas se tocam, à feição das estradas e das fontes que se identificam nos mesmos objetivos.
Aqui, alguém esmorece na provação, abeirando-se do suicídio.
Nesse mesmo lugar, sentinelas invisíveis de abnegação te aguardam a presença e o apoio, para que inicies a obra socorrista com a frase humanitária e encorajadora que essas mesmas sentinelas saberão suplementar.
Ali, esse ou aquele obreiro da beneficência está prestes a cair em desânimo...
Benfeitores do Mais Além te esperam junto de semelhante trabalhador, de modo a que promovas ligeiro gesto de auxílio, capaz de transferi-lo das cinzas da tristeza para as fontes da esperança.
Mães agoniadas estão desfalecentes entre o desalento e a penúria...
Emissários do Bem contam contigo para alguma demonstração de fraternidade, junto delas, incumbindo-se de te manipular a colaboração em recursos providenciais para socorrê-las.
Crianças infelizes se aproximam da delinqüência...
Mensageiros da Vida Superior, em derredor, te pedem amparo que transformarão em reconforto a assistência, em benefício dos pequeninos.
Amigos da Caridade, renteando com irmãos enfermos e necessitados em lares e hospitais, recintos de tratamento e instituições outras, te solicitam o socorro possível que se encarregam de converter em colaboração eficiente, no apoio a eles, qualquer que seja a migalha de proteção que lhes possas oferecer.
Amor é solidariedade.
Progresso é intercâmbio.
Auxilia e auxiliar-se-te-á.
Ilumina a estrada de alguém e estarás iluminando a ti mesmo.
Abençoa o próximo e teus caminhos se farão abençoados.

Ajuda-te sempre, especialmente ajudando aos outros, e o Céu te ajudará.
 Emmanuel - Do livro: Busca e Acharás: Francisco Cândido Xavier