Livro dos espíritos - Capítulo VIII - Emancipação da alma
401. Durante o sono, a alma repousa como o corpo? Não, o Espírito jamais fica inativo. Durante o sono, os liames que o
unem ao corpo se afrouxam e o corpo não necessita do Espírito. Então ele
percorre o espaço e entra em relação mais direta com os outros
Espíritos.402. Como podemos avaliar a liberdade do Espírito durante o sono? Pelos sonhos. Sabeis que, quando o corpo repousa, o Espírito dispõe de mais faculdades que no estado de vigília. Tem a lembrança do passado e às vezes a previsão do futuro; adquire mais poder e pode entrar em comunicação com os outros Espíritos, seja deste mundo, seja de outro. Freqüentemente dizes: "Tive um sonho bizarro, um sonho horrível, mas que não tem nenhuma verossimilhança". Enganas-te. É quase sempre uma lembrança de lugares e de coisas que viste ou que verás numa outra existência ou em outra ocasião. O corpo estando adormecido, o Espírito trata de quebrar as suas cadeias para investigar no passado ou no futuro.
Pobres homens, que conheceis tão pouco dos mais ordinários fenômenos da vida! Acreditais ser muito sábios, e as coisas mais vulgares vos embaraçam. A esta pergunta de todas as crianças: "O que é que fazemos quando dormimos; o que são os sonhos?" ficais sem resposta.
O sono liberta parcialmente a alma do corpo. Quando o homem dorme, momentaneamente se encontra no estado em que estará de maneira permanente após a morte. Os Espíritos que logo se desprendem da matéria, ao morrerem, tiveram sonhos inteligentes. Esses Espíritos, quando dormem, procuram a sociedade dos que lhes são superiores: viajam, conversam e se instruem com eles; trabalham mesmo em obras que encontram concluídas, ao morrer. Destes fatos deveis aprender, uma vez mais, a não ter medo da morte, pois morreis todos os dias, segundo a expressão de um santo.
Isto, para os Espíritos elevados; pois a massa dos homens que, com a morte, devem permanecer longas horas nessa perturbação, nessa incerteza de que vos têm falado, vão, seja a mundos inferiores à Terra, onde antigas afeições os chamam, seja à procura de prazeres talvez ainda mais baixos do que possuíam aqui; vão beber doutrinas ainda mais vis, mais ignóbeis, mais nocivas do que as que professavam entre vós. E o que engendra a simpatia na Terra não é outra coisa senão o fato de nos sentirmos, ao acordar, ligados pelo coração àqueles com quem acabamos de passar oito ou nove horas de felicidade ou de prazer. O que explica também as antipatias invencíveis é que sentimos, no fundo do coração, que essas pessoas têm uma consciência diversa da nossa, porque as conhecemos sem jamais as ter visto. É ainda o que explica a indiferença, pois não procuramos fazer novos amigos quando sabemos ter os que nos amam e nos querem. Numa palavra: o sono influi mais do que pensais, sobre a vossa vida.
Por efeito do sono, os Espíritos encarnados estão sempre em relação com o mundo dos Espíritos, e é isso o que faz que os Espíritos superiores consintam, sem muita repulsa, em encarnar-se entre vós. Deus quis que, durante o seu contato com o vício, pudessem eles retemperar-se na fonte do bem, para não falirem, eles que vinham instruir os outros. O sono é a porta que Deus lhes abriu para o contato com os seus amigos do céu; é o recreio após o trabalho, enquanto esperam o grande livramento, a libertação final, que deve restituí-los ao seu verdadeiro meio.
O sonho é a lembrança do que o vosso Espírito viu durante o sono; mas observai que nem sempre sonhais, porque nem sempre vos lembrais daquilo que vistes, ou de tudo o que vistes. Isso porque não tendes a vossa alma em todo o seu desenvolvimento; freqüentemente não vos resta mais do que a lembrança da perturbação que acompanha a vossa partida e a vossa volta, a que se junta a lembrança do que fizestes ou do que vos preocupa no estado de vigília. Sem isto, como explicaríeis esses sonhos absurdos, a que estão sujeitos tanto os mais sábios quanto os mais simples? Os maus Espíritos também se servem dos sonhos para atormentar as almas fracas e pusilânimes.
De resto, vereis dentro em pouco desenvolver-se uma outra espécie de sonhos; uma espécie tão antiga como a que conheceis, mas que ignorais. O sonho de Joana, o sonho de Jacó, o sonho dos profetas judeus e de alguns adivinhos indianos: esse sonho é a lembrança da alma inteiramente liberta do corpo, a recordação dessa segunda vida de que há pouco eu vos falava.
Procurai distinguir bem essas duas espécies de sonhos, entre aqueles de que vos lembrardes; sem isso, cairíeis em contradições e em erros que seriam funestos para a vossa fé.
Os sonhos são o produto da emancipação da alma, que se torna mais independente pela suspensão da vida ativa e de relação. Daí uma espécie de clarividência indefinida, que se estende aos lugares, os mais distantes ou que jamais se viu, e algumas vezes mesmo a outros mundos. Daí também a lembrança que retraça na memória os acontecimentos verificados na existência presente ou nas existências anteriores. A extravagância das imagens referentes ao que se passa ou se passou em mundos desconhecidos, entremeadas de coisas do mundo atual, formam esses conjuntos bizarros e confusos que parecem não ter nem senso, nem nexo.
A incoerência dos sonhos ainda se explica pelas lacunas decorrentes da lembrança incompleta do que nos apareceu no sonho. Tal como um relato ao qual se tivessem truncado frases ou partes de frases ao acaso: os fragmentos restantes, sendo reunidos, perderiam toda significação racional.
403. Por que não nos recordamos sempre dos sonhos?
Nisso que chamas sono só tens o repouso do corpo, porque o Espírito está sempre em movimento. No sono, ele recobra um pouco de sua liberdade e se comunica com os que lhe são caros, seja neste ou em outros mundos. Mas, como o corpo é de matéria pesada e grosseira, dificilmente conserva as impressões recebidas pelo Espírito, mesmo porque o Espírito não as percebeu pelos órgãos do corpo.
404. Que pensar da significação atribuída aos sonhos? Os sonhos não são verdadeiros, como entendem os ledores da sorte, pelo que é absurdo admitir que sonhar com uma coisa anuncia outra. Eles são verdadeiros no sentido de apresentarem imagens reais para o Espírito mas que, freqüentemente, não têm relação com o que se passa na vida corpórea. Muitas vezes ainda, como já dissemos, são uma recordação. Podem ser, enfim, algumas vezes, um pressentimento do futuro, se Deus o permite, ou a visão do que se passa no momento em outro lugar, a que a alma se transporta. Não tendes numerosos exemplos de pessoas que aparecem em sonhos para advertir parentes e amigos do que lhes está acontecendo? O que são essas aparições, senão a alma ou o Espírito dessas pessoas que se comunicam com a vossa? Quando adquiris a certeza de que aquilo que vistes realmente aconteceu, não é isso uma prova de que a imaginação nada tem com o fato, sobretudo se o ocorrido absolutamente não estava no vosso pensamento durante a vigília?
405. Freqüentemente se vêem em sonhos coisas que parecem pressentimentos e que não se cumprem; de onde vêm elas? Podem cumprir-se para o Espírito, se não se cumprem para o corpo. Quer dizer que o Espírito vê aquilo que deseja, porque vai procurá-lo. Não se deve esquecer que, durante o sono, a alma está sempre mais ou menos sob a influência da matéria, e por conseguinte não se afasta jamais completamente das idéias. Disso resulta que as preocupações da vigília podem dar, àquilo que se vê, a aparência do que se deseja ou do que se teme. A isso é que realmente se pode chamar um efeito da imaginação. Quando se está fortemente preocupado com uma idéia, liga-se a ela tudo o que se vê.
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