Toda tarde aquela senhora pobre, de firmes princípios religiosos, fazia suas orações na varanda de sua modesta vivenda.
Ao terminar falava alto, em exaltação da fé:
– Deus seja louvado!
Invariavelmente, um vizinho, ateu de carteirinha, proclamava alto para ela ouvir:
– Deus não existe!
Certa vez, ela pediu:
– Senhor, minha despensa está vazia. Por misericórdia, envie-me alimentos.
Na manhã seguinte, encontrou farta cesta básica na entrada de sua casa. Emocionada, proclamou:
– Deus seja louvado! Obrigada, Senhor, pela dádiva!
– Bobagem! – gritou o vizinho. – Não há nenhum Deus. Fui eu quem comprou a cesta básica para você.
– Deus seja louvado! – repetiu ela.
E completou:
– O Senhor não apenas enviou-me mantimentos, como fez o diabo pagar por eles!
Esta história lembra outra, relatada em meu livro Uma Razão para Viver:
Montado em seu belo cavalo, o rico fazendeiro diri¬gia-se à cidade, como fazia frequentemente, a fim de cui¬dar de seus negócios. Nunca prestara atenção àquela casa humilde, quase escondida num desvio, à margem da es¬trada. Naquele dia experimentou insistente curiosidade. Quem morava ali?
Cedendo ao impulso, aproximou-se. Contornou a residência e, sem desmontar, olhando por uma janela aberta, viu uma garotinha de aproximadamente dez anos, ajoelhada, mãos postas, olhos lacrimejantes...
– Que faz você aí, minha filha?
– Estou orando à Virgem Maria, pedindo socorro... Meu pai morreu, minha mãe está doente, meus quatro irmãos têm fome...
– Bobagem! O Céu não ajuda ninguém! Está muito distante... Temos que nos virar sozinhos!...
Embora irreverente e um tanto rude, era um ho¬mem de bom coração. Compadeceu-se, tirou do bolso boa soma de dinheiro e o entregou à menina.
– Aí está! Vá comprar comida para os irmãos e remé¬dio para a mamãe! E esqueça a oração!...
Isto feito, retornou à estrada. Antes de completar duzentos metros, decidiu verificar se sua orientação esta¬va sendo observada. Para sua surpresa, a pequena devota continuava de joelhos.
– Ora essa, menina! Por que não vai fazer o que reco-mendei? Não lhe expliquei que não adianta pedir?
E ela, feliz:
– Estou apenas agradecendo. Pedi ajuda à Virgem Maria e ela enviou o senhor!
Diz André Luiz que Deus atende às criaturas por intermédio das criaturas.
Quando oramos contritamente, apelo do coração, não mero exercício de palavras, nossa prece ultrapassa o teto da superficialidade e é ouvida por mentores espirituais que procuram nos atender, naturalmente observado o princípio do mérito e, em situações específicas, a condição da mão de obra.
Se for um pobre que precisa de alimento, um doente que precisa de determinado remédio, uma criança perdida que precisa ser encontrada, um homem em desespero pensando em suicidar-se, há necessidade de alguém bem sintonizado, disposto a ser o agente da ação espiritual.
E aqui não se trata meramente do religioso. Imperioso é encontrar alguém possuidor de religiosidade, virtude que não está subordinada à frequência às igrejas, e sim à disposição de servir.
Nas duas histórias foram dois ateus que serviram de intermediários ao esforço do Céu, porque talvez os religiosos estivessem muito ocupados com suas orações ou despreocupados da finalidade maior da religião: fazer ao semelhante o bem que gostaríamos nos fosse feito, como ensinava Jesus.
Diz o Mestre (Mateus 25:34-36):
… Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do Mundo.
Pois tive fome, e me destes de comer, tive sede e me destes de beber, era forasteiro e me hospedastes, estava nu, e me vestistes, estive enfermo, e me visitastes, preso e fostes ver-me.
Observe, caro leitor: Jesus não se reporta aos religiosos, como usufrutuários das benesses divinas, e, sim, àqueles que atenderam seus irmãos em penúria, independentemente de acreditarem ou não em Deus.
Diga-se de passagem:
Deus não está preocupado com nossa crença.
Espera apenas nos comportemos como Seus filhos.
Richardsimonetti@uol.com.br
Richard Simonetti
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