quinta-feira, 14 de junho de 2012

FÉ NO HOMEM

 Surgiu abruptamente, sem que ninguém pudesse perceber quando se aproximara. Trazia nas mãos lenha. Uma quantidade suficiente para incendiar uma pequena casa. Como podia carregar tanto peso? Foi uma surpresa, um susto, aquele homem a quem todos respeitavam e temiam, agora, de repente, naquela situação... O que poderia ter acontecido?
Assim inicio nossa história de hoje, cheia de suspense e emoção.
A vida na vila seguia normalmente, sem grandes acontecimentos. Após a construção da Casa do Cristo, a comunidade se dividia entre o trabalho, a residência e a convivência com o grupo. Ora em oração, ora em ação. Cuidavam uns dos outros, contribuindo nos afazeres domésticos e comunitários.
 A horta, cada vez mais, ganhava espaço e novos voluntários e retribuía o cuidado, fornecendo mais e mais alimentos. Era possível vê-los, no final da tarde, em frente a um grande fogão de lenha, construído bem perto da Casa do Cristo, protegido por uma estrutura simples de madeira e folhas de sisal, a cozinhar o que foi retirado da plantação.  
Quem podia chegava mais cedo e recebia os que iam chegando com uma deliciosa refeição. Sentavam juntos, acomodando-se como podiam, e compartilhavam, enquanto comiam, das alegrias e dificuldades que enfrentaram naquele dia. Revelavam desejos, medos, angustias e buscavam, juntos, conforto e soluções para os problemas. Aprenderam a ouvir e se deixar ouvir, a respeitar e confiar uns nos outros.
Por isso, naquela tarde, não acreditavam no que viam. João trabalhando em prol da comunidade? Era o morador mais antigo da vila e se considerava autossuficiente. Nunca antes havia se envolvido com as atividades coletivas, nem mesmo com as reuniões festivas que ocorriam. Dizia que não era homem de se misturar. Que não precisava de intermediários para se relacionar com Deus, pois possuíam uma relação intima e forte.
Considerava a Casa do Cristo uma grande bobagem. Um monte de pirralho ousado, achando que podia se referir ao poderoso, conversando e refletindo sobre suas palavras. O que Deus disse e fez tá feito. É dever e obrigação seguir. Não tem nada que tentar entender. Onde já se viu questionar as coisas de Deus.
Ao se aproximar do grupo com lenha nas mãos e sorriso nos lábios, foi recebido com surpresa e desconfiança. Colocou o grande fardo que trazia perto dos outros empilhados no chão. Abaixou a cabeça em sinal de cumprimento e ia deixando o local quando foi chamado por Maria.
A pequena o puxou pela mão e o fez sentar no banquinho de madeira perto dos mais velhos. Joana lhe preparou um prato e o entregou. Ele agradeceu com um novo abaixar de cabeça e iniciou a refeição. Comeu calado, sem dar atenção aos olhares que inicialmente o penetravam e as conversas que se seguiram. Ao termino da refeição, levantou-se lentamente, devolveu o prato e se retirou depois do mesmo gesto que já havia usado.
Após sua partida alguns comentaram o que havia ocorrido. Houve opiniões diversas, porém, o que importava era aproximação do ancião. Seu afastamento incomodava a todos. Pensavam como era possível ser tão indiferente e procuravam meios de conquistá-lo. Muitas foram as tentativas, mas jamais, até aquele dia, ele havia aceitado reunir-se com o grupo.
Foi motivo de agradecimento na reunião que seguiu à refeição. Foi difícil conter o entusiasmo dos mais jovens que antes receavam sua presença e, agora, sentiam-se seguros. Os mais velhos e experientes preferiam observar melhor o comportamento do antigo conhecido e concentraram-se na oração, pedindo ao pai que lhe tocasse, verdadeiramente, o coração.
Ao fim do encontro daquela noite, despediram-se e retornaram ao lar. Entregues ao sono, não perceberam o movimento de ida e vinda que acontecia na rua deserta.
No raiar da madrugada, Rute acordou em sobressalto e gritou o marido. Os dois saíram apresados rumo a Casa do Cristo. Desesperados pediam por socorro. Os moradores foram despertando, e sem noção do que ocorria, correram ao encontro deles.
Diante do que viam, ficaram atordoados e foi preciso seu José orientá-los quanto ao que fazer.
Depressa peguem os vasilhames.
E assim o fizeram, voltaram as casa e trouxeram tudo o que podia carregar água. José e outros homens já se encontravam em frente ao posso a bombear agua. Era preciso correr.
Chamas cresciam a partir das lenhas e buscavam alcançar as paredes da Casa do Cristo. Rodeavam toda a casa como uma grande fogueira. Aflitos, homens, mulheres e crianças recolhiam água e lançavam sobre o fogo ardente que teimava resistir.
Por um instante puderam ouvir um grito de horror que os direcionou ao interior da casa. E ao ocorrer novamente, acompanhado de tosse que indicava sufocamento, reconheceram a voz de João. Serafim cobriu-se com lençol molhado e entrou em busca da vítima. Com dificuldade e com ajuda dos outros conseguiu retirá-lo ainda com vida.
No despertar da manhã, exaustos comemoravam a vitória sob o fogo. Chamuscadas as paredes permaneciam em pé, simplesmente desejando reparos. O ancião tratado pelas ervas da horta e água fluidificada nos momentos de oração foi se recuperando aos poucos.
Como por milagre, levantou-se do leito após cinco dias e, envergonhado, só conseguia chorar. Deixou o orgulho de lado e preenchido pela compaixão dos que cuidavam dele conseguiu, com esforço, pedir perdão. Abraçou-se ao grupo e, entre lágrimas, repetiu a fala por muitas vezes, pela primeira vez em sua existência. Foi perdoado e aceito pelo os que ele havia magoado.
Certa manhã, meses depois do ocorrido, a comunidade acordou com barulhos vindos da Casa do Cristo. Assustados, esperando o pior, correram para ver o que acontecia. Porém, encontraram o velho João a fazer reparos. Então se juntaram a ele, com a certeza que, agora, o Cristo o tinha, finalmente, conquistado. 
fonte:Cacef-casa de caridade esperança e fé

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