Assim inicio nossa história de hoje, cheia de suspense e emoção.
A
vida na vila seguia normalmente, sem grandes acontecimentos. Após a
construção da Casa do Cristo, a comunidade se dividia entre o trabalho, a
residência e a convivência com o grupo. Ora em oração, ora em ação.
Cuidavam uns dos outros, contribuindo nos afazeres domésticos e
comunitários.
A
horta, cada vez mais, ganhava espaço e novos voluntários e retribuía o
cuidado, fornecendo mais e mais alimentos. Era possível vê-los, no final
da tarde, em frente a um grande fogão de lenha, construído bem perto da
Casa do Cristo, protegido por uma estrutura simples de madeira e folhas
de sisal, a cozinhar o que foi retirado da plantação.
Quem
podia chegava mais cedo e recebia os que iam chegando com uma deliciosa
refeição. Sentavam juntos, acomodando-se como podiam, e compartilhavam,
enquanto comiam, das alegrias e dificuldades que enfrentaram naquele
dia. Revelavam desejos, medos, angustias e buscavam, juntos, conforto e
soluções para os problemas. Aprenderam a ouvir e se deixar ouvir, a
respeitar e confiar uns nos outros.
Por
isso, naquela tarde, não acreditavam no que viam. João trabalhando em
prol da comunidade? Era o morador mais antigo da vila e se considerava
autossuficiente. Nunca antes havia se envolvido com as atividades
coletivas, nem mesmo com as reuniões festivas que ocorriam. Dizia que
não era homem de se misturar. Que não precisava de intermediários para
se relacionar com Deus, pois possuíam uma relação intima e forte.
Considerava
a Casa do Cristo uma grande bobagem. Um monte de pirralho ousado,
achando que podia se referir ao poderoso, conversando e refletindo sobre
suas palavras. O que Deus disse e fez tá feito. É dever e obrigação
seguir. Não tem nada que tentar entender. Onde já se viu questionar as
coisas de Deus.
Ao
se aproximar do grupo com lenha nas mãos e sorriso nos lábios, foi
recebido com surpresa e desconfiança. Colocou o grande fardo que trazia
perto dos outros empilhados no chão. Abaixou a cabeça em sinal de
cumprimento e ia deixando o local quando foi chamado por Maria.
A
pequena o puxou pela mão e o fez sentar no banquinho de madeira perto
dos mais velhos. Joana lhe preparou um prato e o entregou. Ele agradeceu
com um novo abaixar de cabeça e iniciou a refeição. Comeu calado, sem
dar atenção aos olhares que inicialmente o penetravam e as conversas que
se seguiram. Ao termino da refeição, levantou-se lentamente, devolveu o
prato e se retirou depois do mesmo gesto que já havia usado.
Após
sua partida alguns comentaram o que havia ocorrido. Houve opiniões
diversas, porém, o que importava era aproximação do ancião. Seu
afastamento incomodava a todos. Pensavam como era possível ser tão
indiferente e procuravam meios de conquistá-lo. Muitas foram as
tentativas, mas jamais, até aquele dia, ele havia aceitado reunir-se com
o grupo.
Foi
motivo de agradecimento na reunião que seguiu à refeição. Foi difícil
conter o entusiasmo dos mais jovens que antes receavam sua presença e,
agora, sentiam-se seguros. Os mais velhos e experientes preferiam
observar melhor o comportamento do antigo conhecido e concentraram-se na
oração, pedindo ao pai que lhe tocasse, verdadeiramente, o coração.
Ao
fim do encontro daquela noite, despediram-se e retornaram ao lar.
Entregues ao sono, não perceberam o movimento de ida e vinda que
acontecia na rua deserta.
No
raiar da madrugada, Rute acordou em sobressalto e gritou o marido. Os
dois saíram apresados rumo a Casa do Cristo. Desesperados pediam por
socorro. Os moradores foram despertando, e sem noção do que ocorria,
correram ao encontro deles.
Diante do que viam, ficaram atordoados e foi preciso seu José orientá-los quanto ao que fazer.
– Depressa peguem os vasilhames.
E
assim o fizeram, voltaram as casa e trouxeram tudo o que podia carregar
água. José e outros homens já se encontravam em frente ao posso a
bombear agua. Era preciso correr.
Chamas
cresciam a partir das lenhas e buscavam alcançar as paredes da Casa do
Cristo. Rodeavam toda a casa como uma grande fogueira. Aflitos, homens,
mulheres e crianças recolhiam água e lançavam sobre o fogo ardente que
teimava resistir.
Por
um instante puderam ouvir um grito de horror que os direcionou ao
interior da casa. E ao ocorrer novamente, acompanhado de tosse que
indicava sufocamento, reconheceram a voz de João. Serafim cobriu-se com
lençol molhado e entrou em busca da vítima. Com dificuldade e com ajuda
dos outros conseguiu retirá-lo ainda com vida.
No
despertar da manhã, exaustos comemoravam a vitória sob o fogo.
Chamuscadas as paredes permaneciam em pé, simplesmente desejando
reparos. O ancião tratado pelas ervas da horta e água fluidificada nos
momentos de oração foi se recuperando aos poucos.
Como
por milagre, levantou-se do leito após cinco dias e, envergonhado, só
conseguia chorar. Deixou o orgulho de lado e preenchido pela compaixão
dos que cuidavam dele conseguiu, com esforço, pedir perdão. Abraçou-se
ao grupo e, entre lágrimas, repetiu a fala por muitas vezes, pela
primeira vez em sua existência. Foi perdoado e aceito pelo os que ele
havia magoado.
Certa
manhã, meses depois do ocorrido, a comunidade acordou com barulhos
vindos da Casa do Cristo. Assustados, esperando o pior, correram para
ver o que acontecia. Porém, encontraram o velho João a fazer reparos.
Então se juntaram a ele, com a certeza que, agora, o Cristo o tinha,
finalmente, conquistado.
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