terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

O Guarda Chuva

Leontino não estava conseguindo...
Espírito desencarnado, assediava José Onofre, pretendendo vingar-se de passadas ofensas. Localizara-o em nova jornada na carne e pretendia infernizar-lhe a existência, envolvendo-o na obsessão. No entanto, o antigo desafeto resistia às suas investidas, conservando-se perfeitamente ajustado.
Resolveu apelar para um companheiro mais tarimbado... Procurou Quirino, especialista em atazanar pessoas, usando de extrema sutileza em suas investidas, alguém que a tradição religiosa definiria como um ser demoníaco.
Nada disso. Era apenas um transviado filho de Deus que não se dera ainda ao trabalho de avaliar a semeadura de espinhos que vinha efetuando, os quais fatalmente colheria um dia, em penosos reajustes.
O experiente obsessor ouviu-lhe as frustrações e indagou:
− Identificou-lhe as fraquezas?
− Sim.
− E quais são?
− Certa tendência à tristeza, caráter introvertido; alguma preocupação com a saúde; eventuais crises de afetividade no lar; gosta de aperitivos e não é insensível aos encantos femininos.
− Então, não conseguiu puxar esses fios para “enovelá-lo”?
− Bem que tentei, mas sem resultado. Não tem tempo para render-se às próprias mazelas. Vinculado a um Centro Espírita, ocupa todas as suas horas livres em serviços diversos: visita doentes, atende aos necessitados, cuida de crianças, faz plantão no albergue, aplica passes magnéticos, participa de reuniões mediúnicas. O homem não para! Simplesmente não sobra espaço em sua mente para infiltração de ideias obsessivas.
Quirino franziu o cenho.
− Quando nossas presas encasquetam a ideia de que devem ocupar o tempo ajudando o semelhante fica difícil. Buscou o ataque por vias indiretas?
− Sim, sim, segui fielmente nossos programas. Explorei as tendências neuróticas da esposa, criando-lhe embaraços no lar; provoquei problemas financeiros, complicando seus negócios; envolvi o filho com drogas; semeei desentendimentos no Centro Espírita; acentuei seus males físicos, mas o homem é uma rocha. Situa-se inabalável, confiando-se à proteção divina.
Leontino suspirou, completando:
− Simplesmente, José Onofre se recusa a uma reação negativa que me dê ensejo para atingi-lo. O que você me aconselha?
− Desista.
− Ora essa! É tudo que tem a dizer?
− Estou apenas sendo realista. O problema é que seu desafeto abriu o guarda-chuva protetor. Você pode fazer desabar sobre ele tempestades existenciais violentas. Não logrará atingi-lo.
− E o que vem a ser essa proteção?
− A prática do bem aliada à confiança em Deus. É preciso esperar torcendo para que ele se decida a fechar o guarda-chuva.
Quem é José Onofre, caro leitor?
Um missionário? Um Espírito superior? Um santo?
Nada disso. É um homem comum, com suas fraquezas e imperfeições. O que o distingue é o empenho em cumprir a orientação contida na questão n.º 469, de O Livro dos Espíritos, quando Allan Kardec pergunta:
Como podemos neutralizar a influência dos maus Espíritos?
E vem a orientação incisiva:
Praticando o bem e pondo em Deus a vossa confiança, repelireis a influência dos Espíritos inferiores e aniquilareis o império que desejam ter sobre vós.
Simples, não?
Vamos abrir o nosso guarda-chuva?

richardsimonetti@uol.com.br
Richard Simonetti

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