Richard Simonetti ·
Um amigo, reservadamente, expôs-me insólita questão:
– Quando me recolho ao leito com minha esposa, dúvida atroz me perturba: devo orar antes ou depois de fazer amor? Se exercito a oração, o sexo parece-me sacrílego. Se começo pelo amor, sinto-me culpado, inibido como um menino que não consegue encarar o pai, porque fez travessura.
Temos aqui dois equívocos. Primeiro: imaginar que sexo é sinônimo de pecado. Trata-se de lamentável atavismo psicológico que remonta à Idade Média, quando os teólogos o situavam como algo proibido, sujo, indecente, animalidade pura!
Sexo, ensinavam, somente para a procriação. Breve, burocrático, sem fantasias, sem corpos nus, sem carícias, sem sensualidade. E advertiam: – Cuidado com o prazer! Quanto mais intenso, maior o pecado!
Marido de mulher bela e atraente que se cuidasse. Corria o risco de arder no inferno!
E como não podiam proibir o sexo, sob pena de extinguir a espécie humana, tratavam de reduzi-lo ao mínimo. Era proibido aos domingos, nos últimos meses de gestação, na amamentação, na menstruação… As festas religiosas impunham prolongada abstinência: vinte dias antes do Natal, quarenta antes da Páscoa…
E sempre surgiam novidades restritivas, o que deixava pouco espaço para a comunhão carnal. Quanto menos prazer, mais preservados os cônjuges. Havia penalidades terríveis e assustadoras. Limitações físicas e mentais, bem como doenças graves como a lepra e a tuberculose, eram atribuídas à inobservância das regras.
Certa feita, uma mulher mostrou a São Gregório de Tours seu filho cego e aleijado. Confessou, em lágrimas, atormentada pelo arrependimento, que o concebera num domingo, dia consagrado ao Senhor…
Sexo, amigo leitor, é maravilhosa obra divina! Não fosse por ele, não estaríamos aqui, mergulhados na carne, em experiências compatíveis com nossas necessidades evolutivas. Não há por que nos sentirmos culpados, ao exercitá-lo. A não ser que…
Aqui, caímos no segundo equívoco: confundir amor com sexo. É algo comum nestes tempos de liberdade sexual mal conduzida, transformada em libertinagem.
Quando alguém fala em fazer amor está restringindo o relacionamento amoroso aos órgãos genitais. Como o amor é uma necessidade primária do ser humano, as pessoas empolgam-se com a atividade sexual, imaginando atender às suas aspirações afetivas.
E exercitam inventividade, quanto à forma, aos parceiros, aos estímulos – tudo para evitar a rotina, que esfria a relação.
Muitos acabam na promiscuidade e no adultério, na perversão e no desajuste, com funestas consequências.
Há uma lição elementar, que tardamos em assimilar: sexo é apenas parte do amor. Por isso não deve vir antes dele, como quem coloca a carroça à frente dos bois.
Quando o casal inicia um relacionamento pelo sexo, tende a envolver-se em impulsos passionais que inibem a razão e inspiram ardente anseio de uma vida a dois, sustentado por devaneios eróticos. Mas a paixão arrefece, passa breve e desaba o encanto gerando frustrações, se não está presente o amor.
Amar é querer o bem de alguém, diferente do impulso passional que busca o próprio bem, a se expressar no prazer, sem cogitações mais nobres, sem perspectivas além da hora presente.
Por isso, a essência do amor está em trabalhar pela felicidade do ser amado. É aquele olhar juntos na mesma direção, como explica Saint-Éxupery (1900-1944), quando ambos estão interessados em dar o melhor de si mesmos, cultivando atenção, respeito, renúncia, dedicação, valores que sustentam a estabilidade da parceria e o bem-estar dos parceiros.
Quando os cônjuges adotam essa postura, o sexo reduz-se à sua dimensão exata – valioso complemento da felicidade conjugal, aquele momento de intimidade em que se funde a comunhão espiritual com a conjunção física, em ternas emoções que transcendem o efêmero prazer carnal. Casais assim podem orar “antes” ou “depois”, sem problema.
O sexo permanece santificado, no santuário do amor.
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