quarta-feira, 27 de março de 2013

A dor que não redime

Sérgio Ribeiro
Na extensa fila de recém-desencarnados, à espera de uma definição quanto ao seu futuro, dois Espíritos conversavam sobre suas experiências.
– Fui casado, deixei esposa e dois filhos.
– Interessante, eu também.
– Tive câncer no estômago.
– É muita coincidência. Foi o mal que me matou.
– Então sabe como é sofrido esse final de existência.
– Nem me fale!
– Lutei por três anos contra a doença, submetendo-me a tratamentos diversos.
– Sei bem o que é isso. Também penei por três anos.
– Desencarnei relativamente novo, com apenas 63 anos.
– Parece brincadeira! E o cúmulo da coincidência, porquanto também estou retomando nessa idade.
– Incrível! Duas biografias idênticas!
– E verdade. Não sei para onde vamos mas, certamente, estagiaremos no mesmo lugar, que há de ser bom. Jesus ensinava que os sofredores estão destinados ao Céu.
– Deus o ouça!
A fila andou. Viram-se os gêmeos nas dores diante de São Pedro, na portaria do Além.
Após examinar detidamente a ficha do primeiro, o porteiro celeste o convidou a tomar o elevador sideral e subir para o Céu.
O segundo, animado, preparou-se para idêntico destino.
Para sua surpresa, o santo determinou:
– O elevador irá para baixo, levando-o ao purgatório.
O condenado logo reclamou:
– Creio haver um engano. Meu companheiro tem ficha absolutamente idêntica à minha. Sofreu o mesmo que eu e foi para o Céu.
São Pedro, imperturbável, informou:
– Sim, mas há um detalhe. Ele nunca reclamou.
Esta pequena alegoria ilustra a afirmativa do Espírito Lacordaire, no item 18:
... Poucos sofrem bem; poucos compreendem que somente as provas bem suportadas podem induzi-los ao reino de Deus. O desânimo é uma falta. Deus vos recusa consolações, desde que vos falte coragem. A prece é um apoio para a alma; contudo, não basta: é preciso tenha por base uma fé viva na bondade de Deus.
Atenção, leitor amigo!
O mentor espiritual está dizendo com todas as letras que não basta sofrer para habilitar-se a futuro feliz.
É preciso sofrer com finesse, sem murmúrios, sem queixas, sem revolta nem desespero.
Um confrade teve grave infecção que lhe provocou pústulas da cabeça aos pés.
O médico lhe explicou tratar-se de um processo natural e saudável, embora doloroso. O corpo estava expelindo impurezas, depurando-se.
Além da medicação específica, recomendou-lhe rigoroso regime, evitando certos alimentos que provocariam recrudescimento dos sintomas, dificultando a recuperação.
Espiritualmente falando, há enfermidades que guardam função semelhante.
Depurativos da alma são válvulas de escoamento de impurezas espirituais. Põem para fora os desajustes que provocamos com comprometimentos morais em existências anteriores.
Para que nos recuperemos sem delongas, é fundamental o regime espiritual, evitando sentimentos negativos, expressões de revolta e inconformação, que recrudescem o mal sem reduzir o desajuste.
Geram dores que não redimem.
Apenas prolongam nossos padecimentos.
A propósito do assunto, diz o assistente Silas, no livro Ação e Reação, de André Luiz, psicografia de Francisco Cândido Xavier:
Quando a nossa dor não gera novas dores e nossa aflição não cria aflições naqueles que nos rodeiam, nossa dívida está em processo de encerramento.
Muitas vezes, o leito de angústia entre os homens é o altar bendito em que conseguimos extinguir compromissos ominosos, pagando nossas contas, sem que o nosso resgate a ninguém mais prejudique.
Quando o enfermo sabe acatar os Celestes Desígnios, entre a conformação e a humildade, traz consigo o sinal da dívida.
Imaginemos o paciente revoltado, neurótico, conturbando o relacionamento familiar, criando confusão, e teremos uma idéia sobre o assunto.
Não está resgatando dívidas. Apenas as amplia, infernizando os familiares.
Quando ocorre seu falecimento, amigos que conhecem o drama confortam a família:
– Finalmente sossegou...
O respeito humano os impede de completar:
– ...e lhes deu sossego!
O pior é que nem sempre isso acontece.
O doente impertinente, agitado, converte-se em alma penada, que, não raro, continua a perturbar os familiares.
Conversei certa feita com um Espírito que se mostrava indignado com o comportamento dos filhos:
– São uns ladrões! Arranjaram uma procuração falsa e estão apossando-se de meus bens.
Não percebeu que havia morrido e que os filhos efetuavam o inventário.
Outro reclamava, revoltado:
– Minha esposa está traindo-me no meu próprio lar!
Igualmente ignorante de seu estado desencarnado, não percebeu que a esposa, após cinco anos de viuvez, casara-se em segundas núpcias.
Diga-se de passagem, leitor amigo, foi uma demonstração de coragem.
Casar-se novamente, após comer o pão que o diabo amassou com um marido desse naipe, é mesmo o triunfo da esperança sobre a experiência!
Se queremos ficar em paz no Além, é preciso cultivar a paz aqui, principalmente nas cobranças cármicas, evitando, com todas as forças da alma, que indesejável rebeldia imponha sofrimentos desnecessários aos familiares.
Ante a certeza de que um dia fatalmente retornaremos ao Mundo Espiritual, um ideal deveria nortear-nos a existência:
Sejamos lembrados como alguém que enfrentou com dignidade sua provação, sem lamúrias, sem rebeldia.
Sobretudo, sem impor sofrimentos indevidos aos familiares, comprometedores para nós.

Richard Simonetti
Livro: Bem aventurados os aflitos.

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