terça-feira, 16 de abril de 2013

Arrependimento e paz

Num intervalo das agudas perseguições, retornando da Samaria, onde falara para muitos conversos e curara com João, Pedro foi procurado por um jovem, que trazia o corpo coberto de pústulas nauseantes, no afã da Casa do Caminho, sempre repleta de necessitados. Desfigurado pela inflamação da face, eram apenas os olhos miúdos que brilhavam e a voz rouca suplicando comiseração.Quando o Apóstolo se aproximou, o enfermo prosternou-se e exclamou:
– Homem santo de Deus!
Pedro interrompeu-o com veemência:
– Sou apenas homem impuro como tu...
– Mas podeis curar-me – choramingou o visitante em desequilíbrio – eu acabo de ser expulso da cidade, do convívio dos sãos, em razão da lepra que me devora o corpo e a alma infeliz...
Não pôde prosseguir. Quase em convulsão, tartamudeou:
– Tudo começou... no templo... no apedre... jamento ...
Pedro quase recuou horrorizado . Recordava-se daqueles olhos perversos, frios, e dos gritos do agitador, que conclamava a turba em fúria para a lapidação de Estevão. Jamais o esqueceria. Era jovem e guapo, ágil e violento. Gargalhava e apedrejava o prisioneiro indefeso. Apiedara-se dele a partir daquele momento. Pedro conhecia a força do “choque de retorno” nas “carnes”, da própria “alma”. Orou por ele, então, naquela ocasião, e agora ele estava ali suplicante.
– Que te aconteceu?! - Indagou, compungido.
– Não vos recordais de mim?! - Interrogou, desconsolado 
– Apedrejei e conduzi a malta contra o vosso irmão até a sua morte, há pouco tempo...
Fez-se grande e dorido silêncio, que ele quebrou, dando prosseguimento:
– A partir daquele dia – ainda me recordo da mirífica luz que vi brotar do mártir antes de morrer – perdi a alegria barulhenta de viver, eu que, alucinado, já não tinha paz. Os seus olhos em chama e em tranqüilidade, desvairavam-me. Tropecei no arrependimento mais cruel e fugi para a embriaguês dos sentidos, a que já me acostumara. Por mais desejasse esquecer, aumentava-me sempre a lembrança do crime, da crueldade perpetrada.
Silenciou por um pouco, e aduziu:
– Passei a sentir comichão nos braços apedrejadores e dores nas articulações. Pequenos botões em flor de carne avermelhada surgiram-me na pele e começaram a explodir em pus... Depois, no peito, no ventre, nas pernas, no rosto, em todo corpo... E a febre que me açoita, arbusto frágil que sou no vendaval, não cessa, enlouquecendo-me. Os doutores receitaram-me ungüentos, sacrifícios no Templo, que executei, sem resultado. Hoje me expulsaram... O vale dos imundos será o meu lugar. Recordei-me de vós, que curais as doenças do corpo e do Espírito, porque a minha, é enfermidade da alma perversa, que se exterioriza no corpo infame. Tende piedade, em nome do vosso Mestre! Mandaram-me procurar-vos, os parentes meus, que fogem de mim. Venho rogar perdão, antes de matar-me, pois que, mil vezes é melhor a morte com honra do que a vida com desgraça!
– Acalma-te, meu filho – ripostou o Apóstolo – e não blasfemes. A vida é bem de Deus, que a dá, a conduz e a interrompe no corpo, quando Lhe apraz, a fim de trasladar a alma à eternidade, onde nada perece. Necessitas viver, a fim de reparares o teu mal, o que fizeste aos outros, e encontrares a felicidade real, que ainda não desfrutaste. Realmente, os erros aqui na Terra cometidos, como nos ensinou o Senhor, aqui serão resgatados. Arrepende-te sinceramente e não apenas para recuperares a saúde, porque, enquanto não se dá a transformação interior, transita-se de uma enfermidade para outra, sem que se encontre a saúde real, que é paz de espírito.
O jovem, deformado pelas ulcerações, ainda ajoelhado e súplice, afogava-se no caudaloso rio das lágrimas. Profundamente compadecido, o Apóstolo orou a Jesus. Não terminara a prece sentida, quando vislumbrou Estevão, nimbado de claridade diamantina, adentrando-se pelo recinto, sorrindo e acercando-se.
Simão ficou extasiado e começou a chorar suavemente.
– Pedro – falou o visitante iluminado – o amor e a caridade são as asas que nos elevam o ser a Deus, quando o conhecimento da verdade lhe sustenta o pensamento e lhe vitaliza o coração. Socorramos o pobre irmão, que corre pelo apertado espaço de sombras, no qual se encontra, para que reconquiste a saída para a luz libertadora. É da Divina Lei que retribuamos com o bem todo o mal que recebermos. Assim, não há outra alternativa, senão amar e ajudar. As feridas que cobrem o corpo do enfermo são as energias que o intoxicavam e agora são expelidas. O seu arrependimento e os propósitos para tornar-se melhor, secarão o poço de peçonha. Mas nós lhe devemos cicatrizar as chagas externas com o bálsamo da compaixão.
Simão, então, explicou ao enfermo:
– Os céus ouviram tuas súplicas, e Estevão, vivo e puro, vem te auxiliar através das minhas mãos e do teu arrependimento real. Colocando a destra sobre a cabeça e a sinistra sobre a fronte febril, Pedro orou, enquanto o doente estorcegava, afirmando arderem o corpo e as chagas, até cair exausto, banhado por álgido suor. Terminando a aplicação de energias, o “pescador de almas” tomou-o nos braços fortes, acostumados a segurar as redes no mar da Galiléia, e recolheu o paciente desmaiado à enxerga mais próxima. Lentamente as feridas e intumescências vermelho-arroxeadas começaram a murchar, e a pele foi-se recuperando, até tornar-se lisa e sem mancha. Deixando-o dormir, o discípulo abnegado recordou-se de Jesus e balbuciou, comovido:
– ...E “não tornes a pecar, para que não te aconteça algo pior”.
Afastou-se em silêncio com o coração explodindo de alegrias e de gratidão a Deus, reflexionando na sabedoria e misericórdia das Leis da Vida.

Amélia Rodrigues & Divaldo P. Franco
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