Sérgio Ribeiro
Era uma terça-feira do mês de junho de 1886. Bezerra de Menezes acabava de presidir a uma das sessões públicas da Casa de Ismael, na Av. Passos - RJ.Sua palavra esclarecida e carinhosa, à moda de uma chuva fina e criadeira, no dizer de M. Quintão, penetrava nas almas de quantos encarnados e desencarnados lhe ouviam a evangélica dissertação sobre uma Lição do "Livro da Vida"!
Os olhos estavam marejados de lágrimas, tanto de ouvintes como os do próprio orador.
Acabada a sessão, descera Bezerra com passos tardo ainda emocionado, as escadas da Federação Espírita Brasileira.
E ia, humildemente, indagando dos mais íntimos, se ferira alguém com sua palavra que lhe perdoassem o descuido e ia descendo e afagando a todos que o esperavam ávidos dos seus conselhos, dos seus sorrisos, do seu olhar manso e bom.
No sucedâneo da escada, localizou um irmão, de seus 45 anos, cabelos em desalinho, com a roupa suja e amarrotada.
Os dois se olharam. Bezerra compreendeu logo que ali estava um caso, todo particular, para ele resolver.
Oh! Benditos os que têm olhos no coração!
E Bezerra os tinha e tem!
E levou o desconhecido para um canto e lhe ouviu, com atenção, o desabafo, o pedido.
- Dr. Bezerra, estou sem emprego, com a mulher e dois filhos doentes e famintos...
E eu mesmo, como vê, estou sem alimento e febril!
Bezerra apiedado verificou se ainda tinha algum dinheiro. Nada encontrou nos bolsos. Apenas a passagem do bonde... Tornou-se mais apiedado e apreensivo. Levantou os olhos já molhados de pranto para o Alto e, numa prece muda, pediu inspiração a seu anjo tutelar e solucionador de seus problemas.
Depois, virando-se para o irmão.
- Meu filho, você tem fé em Deus?
-Tenho e muita Dr. Bezerra!
- Pois então, em seu santíssimo nome, receba este abraço.
E abraçou o desesperado irmão, envolvente e demoradamente.
E, despedindo-se:
-Vá, meu filho, na paz de Jesus e sob a proteção do Anjo da Humanidade.
E, em seu lar, faça o mesmo com todos os seus familiares, abraçando-os, afagando-os. E confie no amor de Deus, que seu caso há de ser resolvido.
Bezerra partira.
A caminho do lar, meditava, teria cumprido seu dever, será que possibilitara ajuda ao irmão em prova, faminto e doente?
E arrependia-se por não lhe haver dado senão um abraço.
Não possuía nenhum dinheiro. O próprio anel de grau já não estava em seus dedos, Tudo havia dado. Não tendo dinheiro dera algo de si mesmo, vibrações, bom ânimo, moeda da alma, ao irmão sofredor e não tinha certeza de que isso lhe bastara...
E, neste estado de espírito, preocupado pela sorte de um seu semelhante, chegou ao lar.
Uma semana se passara.
Bezerra não se recordava mais do sucedido.
Muitos eram os problemas alheios.
Após a sessão de outra terça-feira, descia as escadas da Federação.
Alguém, no mesmo lugar da escada, trazendo na fisionomia toda a emoção do agradecimento, toca-lhe o braço e lhe diz:
-Venho agradecer-lhe, Dr. Bezerra, o abraço milagroso que me deu na semana passada, neste local e nesta mesma hora. Daqui saí logo sentindo-me melhor. Em casa, cumpri seu pedido e abracei minha mulher e meus filhos. Na linguagem do coração, oramos todos a Deus. Na água que bebemos e demos aos familiares, parece, continha alimento, pois dormimos todos bem.
No dia seguinte, estávamos sem febre e como alimentados... E veio-me uma inspiração, guiando-me a uma porta que se abriu e alguém por ela saiu, ouviu meus problemas, condoeu-se de mim e me deu um emprego, no qual estou até hoje. E venho lhe agradecer a grande dádiva que o senhor me deu, arrancada de si mesmo, maior e melhor do que dinheiro!
O ambiente era tocante!
Lágrimas caíam tanto dos olhos de Bezerra como do irmão beneficiado e desconhecido.
E uma prece muda, de dois corações unidos, numa mesma força gratulatória, subiu aos céus, louvando aquele que é, em verdade, a porta de nossas esperanças, o advogado querido de todas as nossas causas!
LOUVADO SEJA O NOME DE DEUS!
E ABENÇOADO SEJA O NOME DE QUEM, EM SEU NOME, NUM ABRAÇO, FAZ MARAVILHAS, A VERDADEIRA CARIDADE DESCONHECIDA!
Dr. Bezerra de Menezes era médico de homens e de almas.
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