sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O bico de gás

Naquela noite Vitalino discutira muito. Acaloradamente.
Opondo-se aos argumentos de dois amigos, combatia a fé. Acreditava somente no que visse. Estudara profundamente a anatomia e precisava apalpar para crer. Necessitava sentir, ouvir, cheirar, analisar...
Por isso mesmo, estava contrariado ao recolher-se.
A esposa demorou-se ainda um tanto em luta pela ordem no apartamento estreito.
Acomodava os filhinhos, atendia aos afazeres da casa.
Mas, mesmo depois que Da. Constância passou a ressonar, Vitalino prosseguia em solilóquio mental.
Não mudaria. Era homem prático. Só renderia à evidência dos fatos. Queria fatos. Mais fatos. Mais fatos para compreender os fatos.
Algo cansado, acabou dormindo.
Dormiu e sonhou que se achava diante de Rosalino, seu velho irmão desencarnado havia muitos anos...
Rosalino dizia convincente:
- Meu caro, ouvimos-lhe as considerações silenciosas.
Realmente, as provas de sobrevivência, muitas vezes, são difíceis. Mas, essa circunstância, só por só, não lhe autoriza negá-la.
Veja bem.
Existe a fé automática, inconsciente, sem comprovação. É a aceitação dos acontecimentos naturais, sem a ajuda dos sentidos.
Em quanta coisa você confia inteiramente sem proceder a qualquer exame!
Você não examina a competência do motorista,mas viaja no veículo despreocupadamente...
Você não testa a resistência do leito, cada noite, mas deita e dorme tranquilo...
Você não vê os ingredientes que lhe compõem a refeição, mas como sem medo...
Você não experimente a segurança da casa bancária, mas confia-lhe os bens sem titubear...
Por outro lado, inúmeras ocorrências perspassam-lhe na vida sem merecer de sua parte estudo mais acurado.
Você não apalpa o ar, mas respira o oxigênio sem susto...
Você não vê o vírus, mas sofre a gripe...
Você não escuta muitas das ondas sonoras que se entrecruzam à sua volta, mas ouve satisfeito os programas radiofônicos...
Você não mediu o Universo, metro a metro, mas reconhece o infinito da Criação...
Você não morreu ainda, mas aceita a fatalidade do fenômeno da morte...
Igualmente, meu amigo, você diz que não vê e não pega o Mundo Espiritual, mas.....ele....existe...
Acorde para a verdade!
Acorde e viva!
Acorde e viva!
Como se impulsionado por estranha força, Vitalino despertou no corpo físico.
O ambiente pesava. Fazia-se o ar irrespirável. Algo sucedera de estranho...
Levantou-se estremunhado. Procurou o berço das duas crianças. Ambas desacordadas.
Aflito, abre maquinalmente a janela próxima e faz luz.
Somente aí descobre que a esposa, distraída, deixara aberta a torneira do gás.
A família salvara-se a tempo.
E, passado o perigo, tomou papel e lápis, escreveu todas as considerações que ouvira em sonho, e começou a meditar...

pelo Espírito Hilário Silva
(Do livro "A Vida Escreve", Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira)

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